Em busca de uma Literatura Católica

Em busca de uma Literatura Católica

“Abrirei a boca em parábolas; proclamarei coisas ocultas desde a fundação do mundo.” Mt 13, 35.

 

Muito se tem dito e escrito acerca das parábolas de Cristo no Evangelho, mas nem tanto se ouve ou se lê acerca das parábolas enquanto gênero literário e como podem lançar luzes a missão do literato e do leitor católicos.

Quando se fala em literatura católica, o que vem à cabeça de muitos são os escritos de defesa e exposição da fé ou ainda os escritos que tratam da oração e da vida espiritual. Podemos pensar também em obras ficcionais que tem o claro objetivo de servir como novas parábolas, sendo alegorias, onde quem as escreveu teve desde o começo o objetivo de aproximar as pessoas da fé católica. Mesmo que não se possa dizer que os exemplos citados anteriormente não sejam literatura, geralmente não tem um fim literário.

O fim literário ou a intenção literária seria a disposição do escritor em produzir uma boa história, e nesse caso para ser boa precisaria ser bela. Ou seja, escrito com uma forma e um uso da língua que faça o leitor ver a sua grandeza, afinal de contas ela possibilitou que imagens tão harmônicas fossem produzidas. Por isso para muitos o ápice de um idioma é a grande literatura que foi escrita se utilizando dele. Quando o fim é apologético ou doutrinário, a beleza no uso da língua ou a engenhosidade da história não é a meta do autor, mas sobretudo a condução à Verdade. Evidentemente ele pode, e até mesmo deveria, se lhe estivesse ao alcance, usar técnicas literárias, pois é adequado que se empregue a beleza da língua ao serviço da Verdade. Por isso, quando se trata de mera literatura, do motivo literário de um autor, se está dizendo que essa pessoa usa belamente a língua para dar a conhecer ou comunicar algo criado ou fato, geralmente ordenadas conforme o gênero de narrativa.

Dito o que é literatura, é preciso definir de alguma forma o que significa católico. Católico quer dizer universal e para além do significado etimológico temos o significado em que essa palavra é lida pela maioria das pessoas: o que se refere a Igreja que tem o bispo de Roma como sua cabeça visível, aquele que “em virtude de sua missão , tem na Igreja o poder ordinário supremo, pleno, imediato e universal, que pode sempre exercer livremente”. (CIC, 331). Tanto assim o é que, em alguns contextos, os católicos são chamados, com pretenso tom pejorativo, de papistas.

Contudo ser católico não é meramente obedecer ou seguir o papa de maneira positiva, como alguém que segue uma série de leis emanadas de uma autoridade impessoal. A origem do papado e da Igreja Católica é o próprio Jesus Cristo. A Igreja é o local no mundo, a comunhão, onde cada homem, no caminho singular de sua vida, acaba descobrindo e amando Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Esse encontro não é só formativo, ou seja, não é uma ideia abstrata, mas sim uma realidade que repercute em todo o comportamento da pessoa, sendo assim performática, pois exige uma maneira de agir que deve estar presente em todos os aspectos da vida. O corpo de Cristo é a Igreja, pois não há como ter comunhão com a cabeça e não ter com o corpo. Essa comunhão deve ser na hierarquia, no culto e no credo. Toda a ideia de santidade que possui a Igreja Católica está fundada na prática do amor e imitação de Jesus Cristo.

Não é nenhum absurdo tentar imaginar sobre o que escreveria Jesus se tivesse se dedicado à literatura. Que gênero escreveria? Quais seriam seus personagens? Livros extensos ou mais breves? Será que ganharia o Nobel ou o perderia para Bob Dylan? E Cristo leitor o que leria? Talvez o exercício não seja tão desprovido de bases materiais e aqui retomamos o versículo que abre esse artigo. Cristo ensinava amplamente através das parábolas e por imagens e era dessa forma que também provava a inteligência e a bondade de seus ouvintes.

As parábolas são narrativas que, usando elementos conhecidos do cotidiano dos ouvintes, empregam essa previa compreensão para fazer entender alguma verdade mais profunda ou sútil; do contrário, o amor de Deus por nós ou a solicitude de Cristo para com as almas poderiam ficar muito ininteligíveis. Contudo, como se vê na parábola, o amor e o perdão de um pai por seu filho que desperdiçou metade do patrimônio, além de ser algo chamativo e até impressionante, não tem nada de ininteligível; é algo que apela a elementos bem consolidados no imaginário da maioria das pessoas, afinal todos são ou pai ou filho de alguém. Evidentemente uma parábola vai ter mais repercussão para uns que para outros conforme as circunstâncias. E justamente por esse motivo, elas podem ter sido a forma preferida por Cristo em boa parte de sua pregação pública, pois também servem de “filtro” para a disposição de cada um na busca da verdade.

Um coração honestamente empenhado na busca da verdade ouviria a lição velada acerca da vida, da morte, do reino dos Céus e do amor. Já alguém que não busca a verdade e que, via de regra, sempre evitou seguir os seus chamados, não ouviria mais do que umas histórias um tanto quanto simplórias acerca de ovelhas e dracmas perdidas e achadas, da rotina da semeadura ou da inveja de algum vizinho que deseja destruir a plantação de um trabalhador inocente, “nada de novo no front, muito bem, vamos embora, é vida que segue…” rumo ao nada. Coisas ocultas serão publicadas, ocultas desde a origem do mundo; o Senhor revelará aquelas verdades que o homem anseia por conhecer, mas que por sua força não poderia alcançar. Ele não faz através de uma linguagem, explicita e descritiva, como quem cria um tratado ou dá uma série de leis. Ele conta histórias. Jesus propõe grandes imagens e muitas vezes essas imagens compõem uma narrativa que atende a uma pretensão literária; não tem compromisso com a história, pois podem se dar em qualquer tempo, seu compromisso é com a verdade profunda da história. Assim como Aquele que as contou, acabam entrando no tempo mas não se limitam no tempo e alcançam a eternidade. O homem que transformar as parábolas em vida permanecerá para sempre como a casa na rocha.

Com isso não quero dizer que Jesus não deu ordens bem concretas aos seus doze Apóstolos e a seus muitos discípulos, pois sabemos que o fez. Mas surpreende o fato de que a parábola era, mesmo para os discípulos, muitas vezes um enigma a se interpretar, porque aos discípulos Jesus abria de maneira mais ampla os tesouros da revelação e, no entanto, se alguém quiser considerar isso uma injustiça, basta pensar que, após a Ascensão do Senhor, eles não seriam os guardiões daquilo que pessoas desejassem que o Evangelho fosse, mas da verdadeira palavra. Pasmos como nós, pela pregação de Jesus ser especialmente através das parábolas, perguntam: Por que lhes falas em parábolas? Respondeu Jesus: Porque a vós é dado compreender os mistérios do Reino dos céus, mas a eles não. Eis por que lhes falo em parábolas: para que, vendo, não vejam e, ouvindo, não ouçam nem compreendam. Assim se cumpre para eles o que foi dito pelo profeta Isaías: Ouvireis com vossos ouvidos e não entendereis, olhareis com vossos olhos e não vereis,porque o coração deste povo se endureceu: taparam os seus ouvidos e fecharam os seus olhos, para que seus olhos não vejam e seus ouvidos não ouçam, nem seu coração compreenda; para que não se convertam e eu os sare (Is 6,9s). Mas, quanto a vós, bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem! Ditosos os vossos ouvidos, porque ouvem! Eu vos declaro, em verdade: muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes e não o viram, ouvir o que ouvis e não ouviram.

Diante desse trecho do Evangelho, temos talvez o resumo do que significa, na sua essência, a Literatura Católica, profana ou sagrada. Através dos sinais ficcionais confrontar o homem com aqueles temas decisivos aos quais dependendo da escolha da pessoa ou da comunidade, pode realizar ou arruinar uma vida ou uma civilização.

Ainda que não tenha a força própria da Revelação contida nas Parábolas de Cristo, o escritor cria como católico quando coloca o sabor delas em sua produção. Tolkien inclusive irá dizer que o ímpeto de criar histórias, é fruto de termos a origem que temos, afinal Deus é o grande “contador de histórias”. Porém, todo grande escritor foi antes um grande leitor. O que Cristo teria lido? Acho que nunca veremos um best seller do The New York Times intitulado : “A biblioteca de Jesus”. Contudo podemos pensar que a Criação é como que um outro livro da Revelação. São Paulo irá dizer aos Romanos: Porquanto o que se pode conhecer de Deus eles o lêem em si mesmos, pois Deus lho revelou com evidência. Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar. As parábolas revelam o olhar de Deus e o olhar do homem que tem o coração segundo Deus. Cristo conta suas parábolas para revelar o homem a verdade acerca de Deus, de sí e do mundo, mas como nEle tudo é harmônico, o que é verdadeiro é também belo e bom! Estamos aí diante do modelo acabado de toda a literatura católica. Uma literatura que, eivada de verdade, transfigura o mundo na beleza e realiza o bem.

Por fim cabe dizer que ainda que se saiba algo sobre o que é e o que não é a literatura católica, como exaurir as formas que a fé e a visão de mundo católicas podem inspirar? Quantas formas católicas existem para contar uma história? Talvez haja autores que não sendo católicos acabam escrevendo livro prontos para uma leitura católica. Esse é outro aspecto fascinante do tema: Qual o impacto da leitura católica, de livros que não foram escritos nem por católicos nem com qualquer intenção católica, mas que que acabam sendo instrumentos para inspirar a caminhada dos filhos da Virgem? E assim poderíamos ir por um longo caminho, de pergunta em pergunta, e pelo visto continuaremos até o céu em busca de conhecer mais profundamente quais são as formas que o homem encontra para imitar o estilo de Deus contar histórias, mas na falta de uma nome melhor, vamos chamando de literatura católica.

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