Por que Chesterton? Desafios para resgatá-lo, traduzi-lo e divulgá-lo.
Raul Martins
“A vida é uma luta e há alegria na luta”
Eu sou Raul Martins Lima, editor e tradutor da Sociedade Chesterton Brasil. Nós estamos aqui, agora, neste congresso de Literatura Católica, para falar um pouco sobre Chesterton e sobre “porque” Chesterton hoje e as dificuldades e desafios para traduzi-lo e resgatá-lo no Brasil. Espero que aproveitem muito a aula e que ela seja de valia tanto para vocês quanto para nós.
O assunto da palestra é: “Por que Chesterton?”. Esse foi o assunto que me foi sugerido, e eu o aceitei, pois é um tema bastante propício. Quando eu conheci Chesterton, com mais ou menos 20 anos de idade, eu lembro que havia apenas começado a estudar um pouco de teologia, a Bíblia, etc. Eu estava aterrorizado com argumentos ateus e tinha medo de perder a minha fé. Então, comecei a estudar com os materiais de estudos que eu tinha, que na época eram bem precários, e acabei esbarrando no C. S. Lewis, no “Cristianismo puro e simples”. Depois de C.S Lewis, eu comecei a procurar alguns apologetas. E no vídeo de um apologeta chamado Ravi Zacharias, ele cita uma frase do Chesterton. Uma frase do livro Ortodoxia. Aquela frase mudou a minha vida. Eu li aquela frase sobre como os revolucionários modernos acabam revolucionando tudo e até mesmo a sua própria revolução. A revolução é uma coisa que se come a si mesma. E quando eu li aquilo, fiquei espantado! Eu cacei na Wikipédia quem era Chesterton e descobri que tinha o livro lançado pela editora Mundo Cristão: Ortodoxia. Comprei o livro e minha vida sofreu uma reviravolta.
Então, por que Chesterton? Eu serei um pouquinho autobiográfico nesta palestra, justamente para ajudar, pois, eu sei que minha situação na época é parecida com a situação de muita gente, e principalmente de muitos cristãos jovens. Os tempos mudaram bastante. De 10 anos para cá surgiram muitas coisas na internet e no Brasil, na chamada direita. Mas Chesterton, para mim, ainda é a melhor porta de entrada, não só para a apologética mas para muita coisa. Eu pensei em passar algumas razões do “porque Chesterton”. Para que ler Chesterton? Para que perder nosso tempo lendo um autor inglês da virada do século XX, que nunca pisou no Brasil ou na América Latina? Então, recapitulando: Por que Chesterton?
Vou fazer uma breve biografia dele: Chesterton nasceu em 1874, na Inglaterra. Ele era filho de pais tipicamente vitorianos. Uma gente que não chegava ser ateia, não chegava ser cristã, eram meio termo, agnósticos, um pessoal de cabeça livre que tinham uma visão de Deus bem pessoal e raramente iam à Igreja. É nesse ambiente que Chesterton nasce. Seu pai era um homem extremamente fértil, imaginativa e intelectualmente. Era um homem muito criativo, um artista frustrado basicamente. Ele criava várias coisas, como iluminuras e teatros. Tinha pilhas de livros em sua casa. E Chesterton nasce nesse ambiente extremamente fértil, em uma família amorosa, feliz e realizada. Nesse ambiente feliz, ele lia e lia e lia e lia… Ele diz que com sete anos de idade ele já sabia citar versos de Shakespeare de cor, sem nem saber o que queriam dizer, e depois ele acrescenta: “talvez essa seja a maneira certa de aprender poesia”. Então, ele nasceu nessa família amorosa e feliz. Teve dois irmãos. Uma irmã dele, a mais velha, morre logo quando ele era jovem. Ele não fala quase nada sobre ela.
O outro irmão, o mais novo, Cecil, vai ser muito importante para vida dele depois. Eles serão grandes amigos e grandes debatedores. Quando Cecil nasce, Chesterton famosamente diz: “agora vou ter uma plateia”. Isso quando ele tinha seis anos de idade. Só que Cecil nasce e não é só uma plateia, é um debatedor, por isso eles vão debatendo. Eles debatem toda hora ao ponto de todos se afastarem deles. As pessoas não conseguiam ficar perto deles, pois eles só debatiam. Até os 16 anos de idade, Chesterton não teve nenhuma grande crise existencial. Ele já estudava muito e aos 16 ou 17 anos passa por sua primeira crise existencial e essa chega ao ápice quando ele entra para a escola de artes. Para quem não sabe, Chesterton pensou em ser pintor. Ele também desenhava e era caricaturista.
Ele entra para uma escola para ser pintor, e nessa escola, a Escola Slade, ele passa por duas experiências que ele nos conta, que serão extremamente importantes de um jeito negativo. A primeira experiência, ele diz que começou a mexer com aquelas tábuas de ouija, as tábuas de espírito. Enquanto estava mexendo com essas tábuas, junto de seu irmão, – e ele é bem claro em dizer que não aconteceu nada de terrível de maneira óbvia enquanto usava as tábuas, mas não sabia dizer muito bem o que acontece lá -, ele sabia que havia algum espírito e que ele não era bom e que mentia nas tábuas. E quando ele começa a usar as tábuas ele começa a entrar em um estado depressivo, em um estado mórbido, em que ele sente um ímpeto de fazer desenhos mórbidos, sujos, violentos. Coisa que era completamente alheia ao caráter dele. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é que em um artigo chamado “O diabolista”, onde ele conhece um rapaz muito inteligente, também dessa escola, muito erudito, muito polido, muito cavalheiro, e que era um satanista. Ele nos conta a conversa que teve com este rapaz e na conversa este se pergunta se não é possível no mal haver uma vida própria, no mal, o bem. Ele inverte as coisas, o mal para ele é o bem e o bem para nós, o mal. Então, Chesterton argumenta até o ponto em que ele vê não ser capaz de resolver ali o problema. Não é mais uma questão somente lógica, de raciocínio ou falta de bom senso. Era uma questão diabólica! Uma coisa espiritual! Ele tenta salvar o rapaz, e este não quer ser salvo.
Então, ele foge. Levanta e vai embora deixando o rapaz para trás. Essas duas experiências, a das tábuas e da diabolia, ele diria mais tarde que ensinaram para ele, em suas palavras, “a sólida objetividade do pecado”. Ele descobre que há uma força má no mundo, uma coisa maligna. Que não era uma força social ou humana, e que não era uma força misturada, de bem e mal. Havia Mal! Mal puro, negro e total. Mais tarde ele vai dizer “que a alegria da vida é saber que há o mal e que você pode combater esse mal”. Ele sempre usa a imagem do dragão de São Jorge. Que há um dragão para ser morto. Ele é um dragão! Você não precisa ter dó do dragão. O dragão é o dragão, ele quer te comer e você tem que lutar. A vida é uma luta e há alegria na luta.
