Rodrigo Gurgel
O que define o escritor Católico
Muito bem, meus caros, é um prazer estar aqui participando de um congresso de literatura católica. Eu fiquei muito feliz com essa iniciativa e fiquei muito feliz também com o convite dos organizadores para participar. Meu plano é falar com vocês sobre o seguinte tema: “O que define o escritor católico?”.
Bom, nós poderíamos responder a essa questão de inúmeras formas. Nós poderíamos, por exemplo, retornar à Dante Alighieri e “A divina comédia”, ou nós poderíamos investigar a respeito de como Santa Teresa D´Ávila renovou, não só a poesia, como também o ensaísmo. Ou a gente poderia também refletir a respeito do papel e da influência de romancistas católicos modernos como George Bernanos, como François Mauriac, enfim, os caminhos são realmente múltiplos. E nós poderíamos também refletir sobre os motivos pelos quais a literatura de inspiração católica, ou de inspiração cristã, é sistematicamente colocada de lado pela crítica literária. Muitas vezes, não necessariamente, deixando de comentar sobre os autores que são católicos.
Mas fazendo o que? Falando sobre esses autores como se eles não fossem cristãos. Até mesmo, muitas vezes, tentando mostrar que eles não são cristãos. Isso acontece muito com uma autora a respeito da qual iremos falar hoje. Nós vamos ver rapidamente algumas questões dela. Que é a Flannery O’Connor. Se vocês forem ler alguns dos críticos ou estudiosos da literatura que não são cristãos, que não são católicos, e que se debruçam sobre a obra da Flannery, vocês vão se sentir incomodados porque o fato dela ser católica acaba sendo empecilho para uma boa análise. Vão perceber também que sistematicamente esses estudiosos têm que mostrar, como se ela estivesse além do cristianismo, ou como se isso não fosse importante quando você vai estudar a obra da Flannery O’Connor.
Mas nós vamos analisar hoje, a questão da definição, do que define o escritor católico. Para isso, nós temos que ir um pouco até as raízes dessa questão. Ou dizendo de uma outra forma, eu vou tentar responder a essa pergunta, refletindo sobre o que realmente caracteriza, não só nos dias atuais, mas sempre, um escritor católico. E eu vou fazer isso porquê? Porque me parece, que se nós não definirmos o que é que nos caracteriza, o que é que nos marca, dentro do contexto intelectual e cultural do mundo contemporâneo, da vida contemporânea, nós só vamos entender parcialmente as questões mais amplas. Nós só vamos entender parcialmente, por exemplo, qual é a função da própria literatura, pois essas coisas não estão separadas.
Então, nós vamos partir desse ponto, digamos, radical. Radical no sentido de essencial, de básico, que é definir a identidade do escritor, a identidade do intelectual católico. Mas, para fazer isso, infelizmente, nós precisamos fazer um retorno às nossas aulas de gramática da escola. Porém, não fiquem nervosos e não comecem a entrar em pânico pois ninguém vai ser obrigado a fazer análise sintática, ou conjugar de memória os verbos irregulares. Não se trata disso. Nós vamos aqui lembrar apenas algumas definições que são muito básicas.
A primeira dessas definições é a definição de substantivo. Não sei se vocês lembram, mas, o que é um substantivo? Um substantivo é uma palavra que expressa, como o próprio nome diz, a substância de algo. Ou seja, não se trata apenas de uma classe de palavras com as quais nós damos nomes às coisas. Essa é a definição mais banal, mais superficial. Mas são palavras que expressam a substância de algo. Mas o que é substância? Substância é algo essencial. Algo que subsiste por si mesmo. É a verdadeira característica de algo. É a realidade de um ente. É a essência de algo. Então, quando nós olhamos, por exemplo, para o nosso vizinho e dizemos que ele é um homem, ou seja, quando nós usamos o substantivo “homem” para se referir ao nosso vizinho, nós não estamos nos referindo a algo que é acidental, mas estamos nos referindo a algo que realmente define este ser. Algo que expressa a sua essência.
Então, veja, não importa se o nosso vizinho é loiro ou moreno, não importa se ele é baixo ou alto, não importa se é inteligente ou um pouco idiota. Quer dizer, nenhuma dessas qualidades ou defeitos que ele supostamente tem, muda a sua condição de homem. Então, o nosso vizinho pode ser inclusive um assassino e ele não vai deixar de ser homem, absolutamente. Nós podemos inclusive considerar o nosso vizinho um monstro pois, sei lá, ele chega em casa à noite e espanca a esposa dele. Mas isso também não importa, isso não vai mudar, ele vai continuar sendo homem.
