Literatura Católica: A Beleza e o Bem.

Carlos Nougué

Literatura Católica: A Beleza e o Bem.

 

 

Sou Carlos Nougué, posso me dizer um professor e filósofo tomista, cuja atividade central é resgatar, sobretudo do antigo trivium, o que é resgatável ainda hoje. Por isso, minha atividade livresca, meus livros, giram em torno de coisas que estão implícitas no trivium. Obviamente, entre essas coisas que estavam implicadas no trivium, estão as artes que chamamos artes do belo. Dentre as quais, se destaca exatamente a poética. Então, o convite para que participasse deste congresso de literatura católica, caiu-me como uma honra. Tenho muito que agradecer aos organizadores do congresso por essa oportunidade ímpar.

Cada criatura de Deus tem um fim e a sua principal parte, sua parte principal, é voltada para esse fim. Qual é a finalidade dos vegetais, das plantas? Nutrir-se e crescer. Essa é a finalidade deles. Qual é, então, a parte principal dos vegetais, como se fora a sua boca? São as raízes. Por isso, a parte principal dos vegetais está voltada para o núcleo da terra, que é onde os vegetais encontram seus nutrientes para nutrir-se e crescer. Subindo na escala do ser, se virmos os animais, a sua parte principal é, obviamente, a cabeça onde estão localizados os órgãos dos sentidos. E sua cabeça, que é sua parte principal, está voltada para aquilo que é o fim dos animais, dos chamados brutos. O fim dos brutos, ou dos animais brutos, é conhecer o mundo. Para isso, existem os animais, para conhecer o mundo. Conhecer de certa maneira, obviamente. Eles conhecem o mundo sensitivamente, pelos sentidos. Por isso, aquela parte sua principal, que é a sede dos sentidos e de seus órgãos, é a cabeça e está voltada para o horizonte. Ou seja, para o horizonte terreno. É isto que os animais conhecem: a terra. Por isso, sua cabeça se volta para o horizonte. Mesmo os macacos, mesmo os ursos, que são capazes de certa posição ereta, normalmente andam com a cabeça voltada para o horizonte.

E o homem, qual a sua parte principal? Também é a cabeça, pois ele é um animal. Mas é um animal racional. Por isso que sua parte principal, ou cabeça, está fincada em uma cerviz que inexiste em outros animais. A nossa cerviz permite que nossa cabeça faça certos movimentos e ao fazê-los, olhamos para o céu em sua complexidade e concluímos a necessidade de um criador. Por que? Por que a nossa cabeça que é nossa parte principal está fincada em uma cerviz que nos permite olhar o céu em sua complexidade, sua beleza, sua ordem, sua imensidão? Porque o fim do homem é conhecer a Deus. E Deus é a própria verdade. Razão porque pode-se dizer que não só a finalidade, o fim, mas a felicidade do homem consiste no conhecimento da verdade.

Mas o homem não é um anjo. Os anjos também têm por fim conhecer a verdade, pois são criaturas intelectuais. Aliás, muito superiores a nós. Mesmo o mais ínfimo dos anjos, que é o anjo da guarda. Os anjos da guarda são muito superiores ao nosso débil intelecto, à debilidade da nossa razão. Então, diferentemente dos anjos, todo drama de nossa vida que deveria culminar em uma morte que nos levasse na outra vida a conhecer a verdade, que é Deus, tudo isso se desenvolve durante um tempo, durante o nosso percurso na terra. Somos, como se diz teologicamente, viadores. Estamos em via, estamos em marcha. Daí que a vida de cada homem seja um drama, seja um romance, seja uma epopeia, como queiram, cujo remate, cuja conclusão, determinará se por toda a eternidade ele atingirá seu fim último, que é conhecer a verdade, ou seja, a Deus mesmo, que é a fonte da verdade e a própria verdade, ou se será privado dessa felicidade que é própria do homem.

A felicidade dos animais é conhecer a terra. A felicidade dos vegetais é nutrir-se e crescer. A felicidade do homem é conhecer a verdade em que sua inteligência possa repousar, pois conhecendo Deus, que é a causa de tudo, conhecerá a tudo o mais como efeito dessa causa, que é Deus e é a própria verdade.

Pois bem. Mas como o atingimento desse fim último depende do percurso de nossa vida e como somos entes e criatura temporais, entes e criaturas diacrônicas, cuja vida e cujo drama se desenvolve no tempo, temos uma escada que galgar, temos degraus que escalar, temos degraus que subir durante e ao longo da vida. Já nesta vida, se pode conhecer a verdade. Já nesta vida, se pode conhecer a Deus. É o que o pagão Aristóteles chamava a bios theorétikós. A vida feliz, a vida teórica, a vida contemplativa. Aristóteles não tinha a menor noção de que pudéssemos ver a Deus depois de mortos. Ele sabia que a alma sobreviveria ao corpo, mas não sabia o que a alma pudesse fazer depois de sobreviver ao corpo, depois de sobreviver a morte do corpo. Mas ele mesmo, dentro das limitações de seu paganismo, já dizia que a vida feliz, a vida humana feliz, é a bios theorétikós, ou seja, a vida contemplativa. Aquela em que não só se contempla a Deus, senão em que se imita a vida divina mas para alcançar a bios theorétikós, é preciso, repita-se, é preciso galgar alguns degraus, ascender alguns escalões  em um escada que conduz à sabedoria, uma escada que conduz à Verdade com V maiúsculo.

Essa escada, idealmente, deveria começar no seio familiar. O primeiro degrau dessa escadinha deveria ser galgado e subido já na mais tenra infância. Na infância, na juventude…aí sim já deveria começar-se a galgar, para quando jovem, entra-se na sociedade, se socializa-se, já tivesse o pé mais ou menos firme no primeiro degrau. Já voltarei a falar disso.

Infelizmente, vivemos em uma sociedade revolucionária. Infelizmente, vivemos em uma sociedade relativista. Infelizmente, vivemos em uma sociedade que deu as costas à Verdade. Infelizmente, vivemos em uma sociedade que deu as costas a Deus, que deu as costas à religião, que deu as costas à metafísica, que deu as costas à filosofia e que deu as costas a todos os degraus dessa escada que nos conduz à própria sabedoria. Daí que as próprias famílias influídas por esse meio circundante, por esse meio ambiente nefasto em que se tornou a nossa sociedade, sejam elas mesmas ou tenham elas mesmas, grande dificuldade para propiciar aos seus filhos, a sua progênie, que galgue exatamente esse primeiro degrau.

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