Ives Gandra
O Mundo do Senhor dos Anéis: Vida e Obra de J.R.R Tolkien.
Queria cumprimentar todos aqueles que estão organizando esse congresso de literatura católica. Queria cumprimentar todos aqueles que estão participando deste congresso através da internet. É um prazer participar com todos vocês e ao mesmo tempo divulgar e compartilhar esse gosto que temos em comum que é a literatura fantástica do C. S. Lewis e especialmente do J. R. R Tolkien, dois grandes amigos que escreveram duas grandes obras paralelas, “As crônicas de Nárnia” e “O Senhor dos Anéis”, e que foram muito bem retratados em um livro recente de Deuriez, “O dom da amizade”, que conta um pouquinho do paralelismo da vida dos dois.
Eu vou me deter especialmente aqui na vida e obra do Tolkien, sobretudo na obra “O Senhor dos Anéis, baseado na obra que escrevi, “O mundo de Senhor dos Anéis”, para contextualizar. Mas também gostaria falar um pouquinho do Lewis, pois essa amizade foi muito rica para ambos. Pois cada um viu um pouquinho das dificuldades que tinha, em termos de redação de seus livros, na medida em que levavam capítulo à capitulo que iam escrevendo para aquela reunião que eles tinha no grupo de amigos, de literatos, chamado Inklings, na Inglaterra, e a um mesmo tempo, um ia influenciando o outro e recebendo a crítica do outro.
Pois bem, para começarmos, darei um toque um pouco pessoal a essa exposição. Muitas vezes ouço de colegas, de repórteres: “mas um ministro, um magistrado, um juiz, escrevendo sobre O Senhor dos Anéis, escrevendo sobre literatura fantástica, comentando filmes que passaram com grandes repercussões, mas para a juventude, para a adolescência… Será que comportaria? Será que seria adequado?” e eu tenho sempre respondido que essas incursões na literatura, especialmente de fantasia, é, como dizia Chesterton, que é outro autor que eu gosto demais e até trabalhei na tradução de um dos livros dele, o “Ortodoxia”, a primeira edição brasileira publicada, ele dizia que essa literatura é fundamental para o nosso repouso, para o nosso resgate em termos de recuperação das forças anímicas para o nosso trabalho. O interessante muitas vezes, é nós pegarmos e pensarmos que quando estamos cansados de uma atividade intelectual mais intensa, principalmente na magistratura que nós temos que enfrentar grandes desafios, grandes questões, principalmente no tribunal superior, e hoje a população toda acompanha e sabe mais os nomes dos ministros do Supremo até do que as vezes da própria Seleção Brasileira de Futebol. Por que? Porque estão decidindo sobre a nossa vida, sobre a nossa liberdade, sobre a nossa propriedade.
E quando se tem esse estresse, essa tensão de enfrentar essas questões e necessitar de uma recuperação, nada melhor do que essa literatura. Diria assim: é uma sadia evasão. Você está saindo do seu mundo do trabalho, das preocupações, das tensões, para um mundo totalmente mágico, diferente, mas que guarda muito de semelhança com o mundo real. Por que? Porque o livro do Tolkien e o livro do Lewis, e também aqueles que o próprio Chesterton escreveu nessa linha de literatura de fantasia como é “O homem que foi quinta-feira”, o que nós vemos? Nós vemos a alma humana retratada em todas as suas grandezas e misérias.
Vamos pegar, principalmente, “O Senhor dos Anéis”. Qual é o grande drama do ser humano desde sua criação? Exatamente a soberba, o orgulho. Quando nos detemos na tradição cristã, verificando o que foi a queda do homem no pecado original, qual foi o motor do pecado original? A soberba. O pecado foi um pecado de desobediência, portanto, o objeto foi trocar o mandamento divino por um prazer momentâneo, um prazer desordenado. Mas qual foi o motor deste pecado? A soberba! O “sereis como deuses”, tal como se colocava o demônio, a serpente, quando Eva lhe pergunta: “Mas se comermos dessa fruta morreremos! Certamente morreremos!” E o demônio diz: “Não! Deus sabe, que se comerdes, sereis conhecedores do bem e do mal, sereis como deuses. E esse ‘sereis como deuses’ ressoa até hoje. O que é, no fundo, a soberba? O que é o orgulho? É o homem, no fundo, querer se colocar no lugar de Deus. É, no fundo, querer, não conhecer o bem e o mal, é dizer o que é o bem e o mal: “Eu sei o que é bom pra mim”, “Eu sei o que é o certo e o errado. Não Deus! Isto pode ser pecado para você. Para mim, não!”.
Pois bem, esse relativismo moral é o que se vê bem retratado em “O Senhor dos Anéis” através da imagem do anel do poder, One Ring. O que que se vê nesse “um anel”? e é essa semelhança que tem da obra de Tolkien com toda a teologia cristã. O que o homem tem que fazer, esse caminhar do homem no mundo, é um caminhar de desprendimento. Nós temos um tempo limitado de vida que é muito bem colocado no “O senhor dos anéis”, em relação aos homens. Esse caminhar tem um destino, e tem algumas regras de convivência. Ao mesmo tempo, o homem vai se apegando a essa terra, vai se apegando as riquezas, vai se apegando aos prazeres, vai se apegando ao poder, vai se apegando as pessoas, vai se apegando a si mesmo. E exatamente o que ele procurava mostrar é que o poder de um objeto material, que representa o poder de ficar invisível, de ter uma ciência maior das coisas, é capaz de corromper o ser humano.
O Smeagol, o Gollum, que seria um hobbit, que foi se corrompendo, é o retrato da alma humana quando se deixa apegar. Se nós fomos ver, é uma pessoa totalmente possuída pelo anel. Ao invés de possuir o anel, ele é que é possuído. Portanto, o que se vê é toda a briga, toda a luta, toda uma saga em torno de um anel do poder, ou dos anéis do poder, pois existiam os anéis élficos, o dos anões, os anéis dos homens. Os anéis dos homens corromperam totalmente os nove reis. Agora, são meros espectros já perderam até a sua aparência humana, além de terem corrompida toda sua alma.
Pois bem, essa visão do Tolkien, a visão cristã de toda a saga dos anéis, se perpassa por todo “O Senhor dos Anéis”, a sua visão cristã e seu catolicismo. No meu livro “O mundo do Senhor dos Anéis”, que talvez muitos de vocês que estejam participando conheçam, uma das coisas que eu me propus fazer foi exatamente pegar passagens que mostram claramente o paralelismo entre cristianismo e a mitologia que Tolkien desenvolveu.
