Felipe Simas
George Bernanos
Bom, queria agradecer inicialmente aos organizadores do evento, ao instituto Hugo de São Vítor e à Sociedade Chesterton Brasil pela generosidade do convite. Agradeço ao público pela confiança em nosso trabalho. Eu digo que estou muito honrado por participar desse congresso e principalmente ao lado de nomes muito importantes do pensamento brasileiro e, certamente, é um congresso histórico por reunir todos esses nomes.
É uma breve apresentação da minha pessoa e dessa palestra. Eu sou Felipe Simas. Eu sou mestre e doutor em Letras/Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e pós-doutorado em Psicologia pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Eu intitulei a Palestra de “Uma breve apreciação da obra de George Bernanos”.
Quando eu penso em Bernanos, eu não posso deixar de evocar os versos de uma obra que marcou muito minha geração que é “O mundo como ideia” do Bruno Tolentino. Alguns versos me chamaram muita atenção. Sempre me chamaram muita atenção nas diversas leituras que eu fiz dessa obra. Então, evoco aqui uma apresentação feita pelo doutor Miguel Reale na recepção do prémio Senador José Ermírio de Moraes na Academia Brasileira de Letras em 2003, em que ele comenta esse poema do Bruno Tolentino. O Bruno diz o seguinte:
Camus foi meu pior entusiasmo,
Claudel minha melhor desilusão,
Rimbaud a minha própria confusão
e Baudelaire o meu primeiro orgasmo.
Mallarmé me deixava um tanto pasmo,
mas fiz minha primeira comunhão
com Bernanos, achando Gide um asno,
Proust o gênio perverso da emoção
E Sartre um ressentido. Mauriac
me dava sustos, mas foi Julien Green
quem me tirou do sério e pôs o spleen
do inefável em mim: tive um ataque
quando li Mont Cinère e Leviathan,
minhas flores do mal para amanhã…
É muito claro que o Bruno Tolentino coloca o foco do catolicismo dele no Julien Green, e o doutor Miguel Reale, na análise dele, compreende isso muito bem. Mas o trecho que mais me chamou atenção, foi quando o Bruno diz que fez a primeira comunhão dele com Bernanos. Isso que me chamou muita atenção. Por que primeira comunhão? Eu digo que pelo que conheço da obra do Bruno, ele não usa palavras em vão. Ele é um grande poeta e quando ele diz “primeira comunhão”, ele usa esse termo também no sentido sacramental.
A comunhão é aquele momento em que você precisa fazer uma confissão, precisa reconhecer a si mesmo pela primeira vez e receber a sagrada Eucaristia. A transubstanciação do Corpo de Cristo. O Corpo de Cristo transubstanciado. Essa comparação entre Bernanos e uma primeira comunhão é muito interessante porque dentre os vários autores católicos, pelo menos também no meu caso, Bernanos mostra uma realidade que está muito ausente em outros autores.
Uma realidade existencial. Uma realidade, em certo sentido, que se aprofunda muito em aspectos da alma que estão simplesmente ausentes em outros autores. Ou quando não estão ausentes, não são analisados da mesma forma e expostos da mesma forma. Então, Bernanos tem essa característica de susto. De dar um susto no Cristão. Quase que apontando o dedo a ele e muitas vezes o chamando de hipócrita, às vezes apontando para desvios de consciência. Ele é um mestre nisso. Por isso, eu acredito que o Bruno Tolentino tenha posto ele como uma espécie de primeira comunhão literária.
Bernanos, como eu disse, é um mestre em desvelar realidades espirituais a partir de um domínio estético que só é possível para aqueles que misteriosamente nasceram para serem gênios. Eu considero Bernanos um gênio da literatura francesa! O que faz, obviamente, da abordagem da obra dele, um trabalho dificílimo. O máximo que nós podemos, com o tempo que temos aqui para essa apresentação, é falar dos aspectos mais essenciais da obra do Bernanos. Que não só eu, mas eu acho que a crítica especializada considera que são os romances, a questão ficcional e o ensaio, o estilo ensaístico.
Bernanos é muitas vezes alguém que leva aquele epíteto de Dostoiévski francês. Isso se deve muito ao fato de não só ele abordar realidades existenciais como também a ele ser muito associado ao termo profético. Depois veremos porque isso acontece. Isso estou dizendo a caráter de introdução. Outra face de Bernanos é que ele não se considerava, exatamente, um escritor. Ele via na tarefa do escritor profissional uma espécie de traição, uma espécie de incompatibilidade com aquele tipo de literatura espiritual que ele queria fazer. Eu na minha experiência nos meios literários, realmente sempre tive também essa impressão de incompatibilidade. Eu imagino que muito do que se critica do Bernanos como uma figura arredia, como uma figura que realmente despreza o trabalho de escritor, eu diria que isso é uma forma de resguardar a própria arte dele. A própria vocação natural dele que se traduz em palavras.
E certamente em diversos momento da obra dele, ele mostra a consciência que ele tinha essa vocação e o quanto ele precisava se dedicar para expressar, o que era uma tarefa muito difícil, talvez mais difícil na prosa que na poesia, o sobrenatural. Inclusive, acho que o termo “sobrenatural” é muito mais do que chamar o Bernanos de Dostoiévski francês é aplicável inclusive como gênero literário de Bernanos. Ele não é um naturalista, não é um realista. Eu considero que, pelo menos nos romances, a gente pode aplicar esse título de sobrenatural sem muita especulação teórica.
