Lírica Católica: A beleza das letras cristãs na vida de oração

William Bottazzini

Lírica Católica: A beleza das letras cristãs na vida de oração

Sou o professor William Bottazzini. Sou professor de História e de idiomas. Sou também diretor acadêmico do Instituto Angélico. Eu trabalho no campo de tradução, de aulas, e faço uma série de atividades nesse sentido. Há mais de uma década que eu lido com línguas clássicas. Com idiomas em geral, mas com línguas clássicas em particular, e tenho desenvolvido alguns trabalhos. Recentemente, foi publicada uma obra muito importante para quem se interessa por estudos clássicos, pelo trivium, pelo quadrivium, pelas artes liberais em geral, que são as Instititiones de Cassiodoro (a tradução foi revisada por mim e para essa obra também eu escrevi uma introdução).

Então, minha atuação geral é esta. Recentemente, também ingressei no campo do Ensino Domiciliar, chamado de homeschooling. Tenho assessorado algumas famílias que querem transmitir o conhecimento de latim para seus filhos e não sabem por onde começar e não sabem que material usar, a partir de qual idade iniciar os estudos, e assim por diante. Esta tem sido a minha atividade. Resumindo: idiomas, História e tradução de grandes obras para a língua portuguesa.

Nós falaremos, portanto, da lírica católica. Nós vamos apresentar aqui algumas pinceladas das grandes composições, dos poemas, das obras poéticas escritas já sob uma óptica cristã. Quando nós falamos de literatura cristã, as pessoas tendem a pensar muito facilmente nas grandes obras teológicas, nos tratados filosóficos, nas obras de apologética, enfim, em textos mais voltados para a apresentação da doutrina. Mas a sensibilidade cristã desde sempre procurou expressar-se também na leveza dos versos e na beleza dos poemas, dos cânticos e dos hinos.

Ao longo da minha fala, nós vamos ver que desde os seus primórdios, em períodos ainda apostólicos, nós observaremos os cristãos procurando exaltar a beleza, a majestade, a glória de Deus, através de versos. Isso tanto nos textos gregos, quanto nos textos latinos. Essa tradição poética cristã continuou pelas línguas derivadas do latim, as chamadas línguas românicas.

Antes de falar da própria lírica cristã, é importante ressaltar que a tradição de cantar à Deus vem de tempos veterotestamentários. Isto é, desde o Velho Testamento nós encontramos uma série de passagens bíblicas que na verdade são hinos. Aqui, eu aproveito para fazer uma pequena, mas bastante pertinente observação: muitas edições da Bíblia, quer edições que trazem o texto original em grego ou em hebraico ou o texto traduzido, elas não têm esse cuidado de mostrar para o leitor que aquela passagem, na verdade, não é um texto de prosa, não é um texto que deve ser lido como nós lemos uma narrativa histórica, mas é um poema. E enquanto tal, ele tem regras específicas para a sua leitura e para a sua construção.

Um exemplo bem claro disso é o texto que abre a Bíblia, o texto do primeiro capítulo de Gênesis. Na verdade, é um hino à criação de Deus, é um poema exaltando a criação divina e enquanto tal, tem uma cadência específica para ser lido em hebraico, que é a língua no qual o livro de Gênesis foi escrito e, assim, tendo consciência de que você está diante de um poema, a sua compreensão do próprio texto bíblico vai muito mais a fundo do que o Hagiógrafo, o autor sagrado, quis escrever. Vai muito mais a fundo naquilo que ele quis transmitir.

Então, é muito curioso que muitas pessoas que procuram desmentir a Bíblia, ou que procuram refutar a tradição e a revelação divina, peguem justamente o livro do gênesis, o primeiro capítulo, para construir toda a sua argumentação. “Mas ali tá escrito isto e aquilo.”, “Olha lá, como Deus pode ter feito isso primeiro e depois outra coisa? Isto não é possível!”. Em linhas gerais, aquele texto nada mais é que um poema, um verso, uma poesia, que exalta a criação divina, acima de tudo. É um texto revelado, evidentemente, que traz as verdades eternas de que Deus criou todas as coisas e de que todas as coisas criadas por Ele, guardam determinada ordem. Que a criação de Deus conserva uma ordem hierárquica que leva os seres dos menos perfeitos aos mais perfeitos como a escada de Jacó que culmina no próprio Deus. Tanto que o próprio Apóstolo Paulo, na epístola aos Romanos, dirá que os pagãos são indesculpáveis porque não contemplaram a glória de Deus, as coisas invisíveis, nas coisas visíveis. Então, partindo das coisas visíveis, nós podemos, então, chegar às coisas invisíveis. Em linhas gerais, de maneira muito sumária, é disso que trata o livro do Gênesis, é disso que trata aquelas primeiras passagens.

Mas muitos tentam lê-la como se lê um texto de prosa e como se fosse um tratado científico. Não! Trata-se de um poema. Trata-se de versos e, quando se compõe versos, o autor toma liberdades, ainda que seja o autor sagrado (evidentemente, sem desmentir e contrariar a revelação), para embeleza-la. Justamente, procura-se transmiti-la da melhor maneira possível e a maneira mais bela de transmitir as coisas é através dos versos.

Então, tendo isto em mente, nós observamos que desde o Velho Testamento, o homem procura expressar a sua relação com Deus, procura falar com Deus e de Deus, através de versos. O Velho Testamento está repleto disso. Aliás, há um livro inteiro só disso que é o Livro dos Salmos. Há outro livro inteiro só disso que é o Cântico dos Cânticos, uma obra mística magnífica já estudada a fundo por São Bernardo de Claraval. Então, desde sempre, o homem que recebe a revelação divina, eleva a alma de volta à Deus em forma de poesia, em forma de versos. Em todos os momentos, então, nós encontramos no Velho Testamento uma série de cânticos, uma série de versos. Em Êxodo, a exaltação por sair do Egito. Nós vamos ter também outros versos em Levítico. O livro de Daniel traz um cântico maravilhoso, que é o cântico dos três jovens lançados na fornalha (Sadrak, Mesak e Abed-Nego), em que eles exortam todas as coisas criadas a louvar a Deus, a cantar a Ele e louvá-lo pelo século sem fim.

Novamente, tudo isso guarda uma métrica específica. Tudo isso guarda uma configuração de texto muito própria e é uma pena que muitos textos bíblicos, muitas traduções, não tragam essas coisas. Eles simplesmente amontoam tudo lá como uma coisa só. Juntam tudo em uma coisa só. Apresentam como se tudo fosse prosa. E não é!

 

 

 

Deixe um comentário