Ricardo da Costa
O livro das Maravilhas (séc. XIII) de Ramon Llull.
Olá a todos. Meu nome é Ricardo da Costa. Eu sou professor titular da Universidade Federal do Espírito Santo. Atualmente lotado no departamento de Teoria da Arte e Música. Eu leciono História da Arte Clássica, Grécia e Roma, e a Arte Medieval, Românica e Gótica. Fui chamado para conversar com vocês hoje sobre “O livro das maravilhas” do filósofo Ramon Llull, aportuguesado como Raimundo Lúlio. Foi uma grande satisfação poder falar, depois de alguns anos desse trabalho, de “O livro das maravilhas”, que foi o primeiro projeto acadêmico registrado lá na Universidade Federal do Espírito Santo quando então eu estava lotado no departamento de História pois passei no concurso para o departamento. Sou historiador e medievalista.
Pois bem, vamos começar do início. Como é que eu conheci Raimundo Lúlio. Eu estava terminando minha dissertação de mestrado sobre a guerra na Idade Média, sobre a reconquista da Península Ibérica, os combates entre cristãos e muçulmanos e me deparei com uma citação de um livro a respeito do Raimundo Lúlio e um tratado chamado “O livro de Ordem de Cavalaria”. Descobri que era o único tratado medieval, escrito na Idade Média, sobre a Ordem de Cavalaria. Então, como eu estava abordando na ocasião sobre cavalaria medieval, uma guerra específica, a batalha de Salado que aconteceu em 1340, no sul da Península Ibérica, com grande tentativa de invasão muçulmana, e os reinos cristãos se uniram para combater essa invasão vinda do norte da África, eu achei que cairia bem tratar desse livro da cavalaria que o Raimundo Lúlio escreveu.
Então, no capítulo da minha dissertação de mestrado, que virou o livro chamado “A guerra na Idade Média” (hoje esgotado, graças à Deus), trata desse livro de cavalaria do Raimundo Lúlio, quando então eu o conheci. Na ocasião, depois que eu defendi a dissertação, e que decidi publicá-la em forma de livro, eu recebi um convite do Instituto de Filosofia e Ciência Raimundo Lúlio, lotado na capital de São Paulo, na pessoa de seu presidente, Esteves Jaulent, para traduzir o livro da Cavalaria. Foi uma ocasião muito especial, procurei dicionários de catalão medieval, dicionário de filosofia específico sobre Raimundo Lúlio e durante uns anos traduzi “O livro da Ordem de Cavalaria”, que ainda está à venda no Instituto Raimundo Lúlio.
A seguir, eu ingressei na Universidade Federal Fluminense, quando resolvi trabalhar mais profundamente com esse filósofo porque ele oferece, para o pesquisador medievalista, uma gama de assuntos muito vasta pois abordou, além de filosofia e teologia, botânica, filosofia política, angelologia, mineralogia, poesia, medicina, história da medicina. Então, ele é, além de um personagem histórico muito importante porque multifacético, um personagem que proporciona essa diversidade de temas de pesquisa. O meu primeiro tema de pesquisa foi justamente Fênix, ou “O livro das maravilhas”. Na ocasião, comprei o que na época era a edição mais considerada, “Obras seletas de Ramon Llull”, do grande especialista Inglês Anthony Bonner que viveu entre 1322 e 1316.
Quase todo o volume II é dedicado ao texto original do livro de Llull e, durante cerca de quatro anos, lá na Federal do Espírito Santo, eu e mais um grupo de pesquisa (que eu montei com alunos), fizemos a tradução de “O livro das maravilhas”. Mais tarde, “O livro das maravilhas” foi publicado pela Editora Escala. Fiquei muito feliz pois é uma edição popular, na ocasião – em 2009, se não me engano – foi vendida em todas as bancas de jornal do país. Desde a Idade Média, um dos capítulos (naquele tempo eram chamados de livros), ganhou uma fama tão grande que ele tem uma vida paralela. É o chamado “Livro das bestas”, que também foi publicado no Brasil em uma edição separada. Eu vou comentar o porquê dessa fama do “Livro das bestas”.
Antes de tratar de “O Fênix, ou O livro das maravilhas”, é necessária uma breve e muito rápida contextualização desse filósofo que hoje é considerado um precursor (isso um pouco anacronicamente) do atual diálogo entre as religiões. Ou pelo menos o tatara-tataravô desse desejo de representantes de crentes, ou católicos simplesmente, de estabelecer o diálogo com o intuito de converter as outras religiões (no caso do Lúlio, o Islamismo e o Judaísmo). O Lúlio se encaixa em uma virada da Idade Média para o Mundo Moderno. O seu pensamento é basicamente medieval, porém tem algumas características que prenunciam o Renascimento, e é um personagem interessante porque, apesar de não ter sido religioso, não ter ingressado em nenhuma ordem religiosa (ele até ficou em dúvida se entrava para os Franciscanos ou para os Dominicanos), ele é um personagem laico, profundamente religioso, que sofreu uma conversão por volta dos 30 anos. Lúlio nasceu na Ilha de Palma de Maiorca, que uma geração antes, tinha sido conquistada, ou melhor, reconquistada pelo Rei de Aragão, Jaime I. O pai do filósofo participou dessa reconquista da ilha e, com isso, ganhou algumas terras na mesma. Portanto, pertencia à baixa nobreza catalã e o Lúlio nasce, então, em um ambiente bastante miscigenado e heterogêneo, onde conviviam cristãos, judeus e muçulmanos.
Cresceu próximo à coorte, ou na coorte do Rei, no caso do Rei Jaime II, o filho de Jaime I, e ele teve uma educação cavalheiresca. O que significa isso na Idade Média? A educação cavalheiresca dizia respeito à nobreza, mesmo à baixa nobreza, e então o nobre tinha uma iniciação literária muito rudimentar, iniciado nas sete artes liberais, gramática, um pouquinho de retórica e dialética (embora ele não tenha tido essa formação) e também era iniciado, no que chamamos hoje de amor cortês. Ou seja, o movimento laico e civil que aconteceu entre a nobreza do sul da França e que levou em consideração e que propôs uma nova forma, uma nova atitude, cortês, amorosa, em relação às mulheres.
